A realização de um estágio no exterior é um sonho para muitos alunos de graduação e pós-graduação, e algumas bolsas de fomento oferecidas no país aproximam os alunos dessa experiência.
No meu caso, tive a oportunidade de realizar uma parte da minha pesquisa de doutorado através do Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE) financiado pela fundação Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (CAPES).
A bolsa PDSE pode variar em duração de 06 a 12 meses, e fornece ao aluno auxílio para a contratação de um seguro-saúde, auxílio instalação, mensalidade e auxílio deslocamento (passagens de ida e volta).
A decisão
Atualmente, sou aluna de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Fitossanidade, área de concentração Entomologia, da Universidade Federal de Pelotas. Mas a ideia de tentar uma bolsa de mobilidade internacional já vem de antes mesmo de entrar no doutorado.
Na época da graduação, em 2013-2014, eu tive a oportunidade de fazer um período de intercâmbio no Canadá através do programa Ciências sem Fronteiras (CSF). A oportunidade de participar do CSF foi extremamente enriquecedora, tanto a nível profissional quanto pessoal. Desta forma, quando eu decidi fazer doutorado, eu decidi ao mesmo tempo que eu queria tentar uma bolsa sanduíche.
Para que eu pudesse me inscrever no programa, a organização foi primordial. Além de fazer aulas de inglês para praticar a língua que tinha aprendido no intercâmbio durante a graduação, me organizei desde o início do doutorado para fazer as disciplinas e a qualificação em tempo hábil que me permitisse concorrer ao edital PDSE até o final do segundo ano do doutorado. Após a abertura do edital pela Capes, foi o momento de entrar em contato com o possível orientador no exterior e organizar os documentos necessários.
A escolha do tema e do local
No Brasil, eu estudo interações entre o parasitoide Trichopria anastrephae e o inseto-praga Drosophila suzukii, visando à utilização do parasitoide no controle biológico da praga.
D. suzukii é uma espécie de mosca conhecida como mosca-da-asa-manchada, e que causa danos principalmente em pequenas frutas, pois coloca ovos no interior dos frutos e, então, a larva eclode e passa a se alimentar desse fruto.
Já T. anastrephae é um parasitoide pupal, que coloca seu ovo no interior da pupa da mosca, e a sua larva se alimenta do corpo da mosca, matando-a. Essa característica de matar o inseto-praga, faz com que esse parasitoide seja um agente potencial para ser usado no controle biológico.
No entanto, os insetos possuem um sistema imune que, em alguns casos, é capaz de reagir a ação do parasitoide de colocar um ovo (ovipositar) no seu interior, e criar uma capsula ao redor desse ovo, para mata-lo asfixiado. Essa capacidade é conhecida como encapsulamento.
D. suzukii tem a habilidade de encapsular ovos de muitos parasitoides que tentam parasita-la, e isto confere a essa mosca uma resistência a estes agentes de controle biológico. Porém, essa grande resistência sempre foi associada a parasitoides larvais, e não aos parasitoides pupais, como T. anastrephae.
Será que os parasitoides pupais tem alguma característica especial que permite que eles vençam a resposta imune e se desenvolvam no hospedeiro? E essa foi a curiosidade que impulsionou o meu contato com o Dr. Todd Schlenke, da University of Arizona, em Tucson, nos Estados Unidos, para a realização do período de mobilidade acadêmica em seu laboratório.
Trabalho desenvolvido
Após uma breve troca de e-mails explicando meu interesse em trabalhar com parasitoides pupais e uma conversa pelo Skype, o Dr. Schlenke concordou em me receber em seu laboratório. Então eu preparei a documentação necessária para concorrer a bolsa PDSE, e fui contemplada com o período de 6 meses de bolsa.
Durante o período em que estive no laboratório do Dr. Schlenke, eu trabalhei com o veneno do parasitoide Trichopria drosophilae, uma espécie próxima a T. anastrephae. Parasitoides normalmente produzem um coquetel de proteínas virulentas em glândulas especializadas para a produção do veneno, chamadas glândulas de veneno.
Esse veneno é injetado em seus hospedeiros no momento da oviposição. Este veneno serve principalmente para suprimir a resposta imune do seu hospedeiro e regular o seu organismo para permitir o desenvolvimento correto da larva do parasitoide.
O meu projeto visou verificar quais eram as proteínas presentes no veneno de T. drosophilae, e os efeitos desse veneno sobre seus hospedeiros, tanto D. suzukii quanto Drosophila melanogaster, que é uma espécie próxima a D. suzukii, comumente usada como inseto modelo para os mais diversos estudos, inclusive estudos sobre o sistema imune.
A estrutura do laboratório é bastante moderna, e a equipe do Dr. Schlenke era formada por uma laboratorista, dois pós doutorandos e dois pesquisadores visitantes (uma aluna em doutorado sanduíche vinda da China, e um professor em ano sabático vindo do Canadá).
Semanalmente toda a equipe se reunia para as reuniões de laboratório (Lab meetings) com duração de aproximadamente uma hora. Durante essas reuniões eram discutidos resultados preliminares das pesquisas realizadas pelos membros do laboratório e manuscritos em processo de submissão para revistas, e também artigos científicos já publicados por outras equipes.
Além das atividades do laboratório, tive a chance de participar de seminários ofertados para os alunos e professores do departamento de Entomologia da Universidade.
Infelizmente, devido a pandemia de COVID 19 e a aceleração do número de casos, as universidades nos Estados Unidos (e ao redor do mundo) cancelaram suas aulas presenciais e fecharam seus laboratórios, permitindo apenas a realização de serviços essenciais (no nosso caso, criações de insetos), e ainda assim, com restrições.
Essa situação, somada a recomendação da CAPES para que os alunos bolsistas retornassem ao país antes do possível fechamento de fronteiras, estimularam o meu retorno precoce para o Brasil, e desta forma meu intercâmbio que deveria ser de 6 meses, foi de 5 meses.
Felizmente, antes do fechamento dos laboratórios e meu retorno para o Brasil, eu consegui terminar todos experimentos previstos no meu projeto, faltando as análises que estão sendo feitas de maneira remota. Além disso, mantenho contato com todos do laboratório por meio das reuniões semanais, que agora são feitas online.
Considerações finais
A possibilidade de trabalhar lado a lado com pessoas com experiência na área de sistema imune foi imprescindível para a realização do meu trabalho, principalmente por ser uma área que antes da minha ida para o laboratório do Dr. Schlenke, eu não tinha nenhum conhecimento.
Todas as atividades, dentro e fora do laboratório me ajudaram bastante a expandir meu conhecimento e fortalecer meu pensamento científico, com destaque para as reuniões de laboratório, onde além de aproximar os membros do laboratório, me ajudaram bastante a entender melhor vários aspectos dos estudos de sistema imune de insetos, e até mesmo formar um pensamento crítico sobre temas relacionados.
Ainda, muito além do laboratório, a oportunidade de estar inserida em um ambiente diferente e conviver com pessoas de diferentes culturas também é muito importante para o crescimento, tanto profissional quanto pessoal.
E-mail para contato: alexandra_kruger@hotmail.com
Literatura sugerida
Kacsoh BZ, Schlenke TA (2012) High Hemocyte Load Is Associated with Increased Resistance against Parasitoids in Drosophila suzukii, a Relative of D. melanogaster. PLoS ONE 7(4): e34721.
Goecks J, Mortimer NT, Mobley JA, Bowersock GJ, Taylor J, et al. (2013) Integrative Approach Reveals Composition of Endoparasitoid Wasp Venoms. PLoS ONE 8(5): e64125.
Excelente texto, Alexandra! Muito obrigado pela sua contribuição a este blog. Sua história vai servir de inspiração e ajuda pra muitos estudantes e jovens pesquisadores que almejam estudar/trabalhar no exterior. Parabéns e sucesso na sua carreira.